Geraldo Pereira foi aquele professor-primeiro que abriu a porta da sala de aula para muitos. Ele nos apresentou a tuberosidade tibial, que nos apontava para o fim da adolescência. Uma reviravolta estava sendo proposta a nós.
A sociedade médica paraense respira fundo antes do ataúde ficar soterrado. Geraldo Pereira despediu-se de olhos fechados e nos deixou a lembrança do giz.
A corda rangia a cada centímetro da descida e a claridade pisa leve no sensorial daqueles que um dia receberam os seus ensinamentos.
A fenda aberta na terra estala como fogo mordendo lenha. Toda a cidade ouvira aquele som agudo, como se o galho verde da goiabeira ao lado da cerimônia final houvesse fraturado.
O professor envelhecido, com os olhos recolhidos e sem lágrimas, recolhe as nossas para umedecer o próprio passado.
Pareceu-nos voltar a balbuciar segredos de como se examina o epicôndilo medial.
Pareceu-nos sorrir o sorriso magnetizado pela alegria de viver.
Pede que se guarde as anotações mais importantes para o exercício da profissão: retratos desse passado, anotações de rodapé, grifos que se enredam na paisagem do amanhã.
Há uma ameaça de chuva que não ocorre de fora pra dentro, apenas pelos nossos veios lacrimais.
Os livros pesados que usamos tornaram-se mais leves após cada traço de ensinamento.
A cidade murmura ao longe o fim telúrico do mestre, ao arrastar o último passo antes de caminhar para a partida.
Ele estudou a natureza íntima da academia, e a
delicadeza do que sobra quando a voz enrouquecida se pronuncia: “pega esse pra
adoçar a tua vida”.
A mão, que um dia acalentou as páginas de anatomia, agora segura o copo e bebe o cálice da salvação.
E o copo de alumínio combina coma cor do
bule para o último gole do cafezinho, agora amargo.
A minha cena descrita pede discrição. Estou alhures, mas com olhares diluviando.
A horizontal do professor se deslocada mais um pouco para baixo e a terra recolhe o
pequeno corpo deformado pela conversão cirúrgica - certas idades não permitem trancos
e incisões que ultrapassem o tamanho daquele homem.
Não vim aqui para explicar nada, mas para iluminar o pano de fundo que deixou vazio nossas salas de aulas; meu caderno de anatomia branquejou.
Ao longo da estada, Geraldo, meio-xará, tornou-se um atlas da aventura humana.
Foi acolhido por seus alunos até a
última arfada e por sua família afável, que guarda saber cifrado na melodia da
generosidade.
Vieram muitos títulos, mas o que ficou foi a densa marca daquele professor que nos ensinou a sonhar na hora de receber o grau para subir os degraus daquela escadaria da Paz.
Obrigado, professor Geraldo Pereira.